A pedido da Defensoria, TJ-SP condena Estado de SP a indenizar em R$ 100 mil pais de transexual espancada e assassinada aos 18 anos
Tribunal revisou valor de indenização por danos morais, reconhecendo que PMs, embora não tenham tido responsabilidade na morte da vítima, foram negligentes e truculentos
A 6ª Câmara de Direito Público Tribunal de Justiça de SP destacou que "a falha estatal foi de extrema reprovabilidade"
Após recurso interposto pela Defensoria Pública de SP, a Justiça decidiu majorar em 100% o valor da indenização aos pais de da jovem transexual Laura Vermont, que foi morta após sofrer espancamento. De acordo com a decisão, o Estado foi omisso no atendimento à vítima, o que justifica a condenação a indenizar por danos morais a família da jovem. Já a indenização por danos materiais foi afastada em primeira instância e assim mantida, sob o entendimento de que a morte não foi ocasionada diretamente pela ação policial.
O caso ocorreu em 2015, quando Laura tinha 18 anos. Após a agressão, a Polícia Militar (PM), acionada por populares que presenciaram o episódio, compareceu ao local. Conforme o voto vencedor indicou, "a vítima veio a óbito em razão das lesões sofridas, após ter sido brutalmente agredida por cinco homens, aparentemente em razão de ser uma pessoa transgênero. Os policiais já a encontraram gravemente ferida. Mas, mesmo assim, não prestaram o atendimento devido".
O Tribunal de Justiça destacou, sobre o atendimento policial a "falta de diligência e de cuidado dos policiais militares em relação à vítima, o que possibilitou que ela tomasse a direção da viatura e ainda colidisse o veículo com um muro" e que "a pretexto de contê-la, os agentes estatais ainda a agrediram mais, efetuando inclusive um disparo de arma de fogo. Tudo isso apesar de a vítima apresentar porte físico bem menor que o dos policiais e ainda estar gravemente ferida". Ponderou, ainda, o Tribunal que embora a vítima visivelmente necessitasse de cuidados urgentes, foram prestados de forma inadequada, sendo que ela foi conduzida ao hospital por familiares, sendo solicitado que seguissem a viatura até o hospital.
Os dois agentes envolvidos no caso, ainda conforme a decisão do TJSP, "apresentaram declarações falsas do ocorrido, na tentativa de se eximirem de suas responsabilidades, inclusive por depoimento de testemunha que posteriormente alegou ter sido coagida", o que redundou na penalidade de demissão da corporação.
Violência arbitrária e desproporcional
A Defensoria ajuizou ação pedindo indenização ao Estado por danos morais e materiais, a ser paga aos pais de Laura. “Não há dúvida de que os policiais agiram com violência arbitrária e desproporcional contra Laura – pessoa indefesa e desnorteada -, se omitiram do dever legal de prestar socorro e ainda atuaram para impedir e prejudicar as investigações policiais, condutas que denotam, não apenas despreparo para o cumprimento do mister que lhes compete, mas absoluto desprezo pela vida humana”, afirmaram na ação Isadora Brandão Araujo da Silva e Vinicius Conceição Silva Silva, do Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial, e Davi Quintanilha Failde de Azevedo, Fernanda Penteado Balera e Letícia Marquez de Avellar, do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos.
Na decisão, a Justiça acolheu parcialmente o pedido, afastando o pleito de indenização por danos materiais e estipulando que, a título de danos morais, o Estado pagasse R$ 50 mil aos genitores da vítima.
Por considerar que o valor não fazia frente aos danos morais provocados pela atuação policial, a Defensoria recorreu para majorar a indenização. A apelação ficou a cargo da Defensora Renata Groetaers dos Santos, que atua na unidade Fazenda Pública da Defensoria.
Omissão e truculência
“Os recorrentes perderam sua filha de apenas 18 anos de forma definitiva, tendo-a encontrado completamente ensanguentada em plena via pública, sob os olhos de dois agentes policiais, que nada fizeram para socorrê-la. Não bastasse a omissão dos policiais, estes agentes públicos, chamados para atender a ocorrência, qual seja, a agressão praticada contra Laura, contribuíram para o ciclo de violência, disparando arma de fogo contra a vítima já absolutamente indefesa e gravemente ferida”, argumentou a Defensora.
O caso foi analisado pela 6ª Câmara de Direito Público do TJ-SP. Após sustentação oral do Defensor Julio Grostein, do Núcleo Especializado de Segunda Instância e Tribunais Superiores da Defensoria, a segunda Juíza, Desembargadora Maria Olívia Alves, pediu vista, e o seu voto, acompanhado pelos demais, manteve o indeferimento da condenação por danos materiais, porém majorou a indenização por danos morais para R$ 100 mil.
“Na hipótese, é importante reforçar que a falha estatal foi de extrema reprovabilidade. Houve descaso e violência desnecessária no atendimento à jovem vítima”, considerou a Magistrada.
“Diante da sua situação de extrema vulnerabilidade, não se justificava ainda a efetivação de um disparo que acabou por atingir seu braço. Não houve contenção eficiente e proporcional. Ou seja, a filha dos autores, de apenas 18 anos de idade, havia sido covardemente agredida e, portanto, a abordagem policial se justificava, para que a agressão fosse interrompida, o socorro imediato fosse prestado e os danos fossem amenizados. Mas não foi isso o que ocorreu. Os policiais conseguiram agredir mais a vítima e aumentar o sofrimento vivenciado por seus pais”, pontuou a Desembargadora.