Defensoria vai até STJ para garantir liberdade a réu pobre que vive na rua, preso porque não tinha endereço fixo para cumprir pena em regime aberto

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”

Publicado em 19 de Setembro de 2017 às 10:30 | Atualizado em 19 de Setembro de 2017 às 10:30

A Defensoria Pública de SP teve que recorrer até o STJ para garantir a liberdade a um homem cuja prisão foi determinada em primeira instância sob a alegação de que, por ele viver na rua e não ter endereço fixo, não poderia cumprir uma pena pelo delito de furto em regime aberto, tal como tinha sido determinado em sua sentença.

Jonas (nome fictício) vive nas ruas de Ribeirão Preto e possui apenas um registro criminal pelo delito de furto, sendo até então primário. Sua condenação tinha sido convertida em prestação de serviços à comunidade, mas como Jonas não cumpriu a medida, foi-lhe imposta o cumprimento de pena em regime aberto – tipicamente aplicada a réus primários condenados por furtos. Nesses casos, as pessoas devem comparecer mensalmente ao Fórum local, além de se comprometerem a se recolherem em suas residências no período noturno.

No entanto, ao comparecer em cartório para ser advertido sobre as condições do regime aberto, Jonas declarou ser morador de rua. Em razão disso, a decisão do Juiz de primeira instância em Ribeirão Preto considerou que, por ele não ter endereço fixo, não poderia cumprir a pena em regime aberto – e determinou sua prisão.

Segundo a decisão,  seria “inviável a manutenção do regime de cumprimento de pena aplicado, vez que o sentenciado não terá como cumprir as condições impostas no benefício que lhe fora concedido, pois inviável a comprovação de residência fixa, que deveria ser ratificada trimestralmente quando comparecesse em juízo. Isto posto, susto cautelarmente a permanência do sentenciado em prisão albergue domiciliar, mantendo-o em regime fechado cautelarmente, até decisão de eventual regressão”.

Diante de tal situação, a Defensora Pública Vanessa Pellegrini Armenio de Freitas impetrou habeas corpus ao TJ-SP, que não viu urgência para análise de pedido liminar. Assim, a Defensora levou o pleito ao STJ. “Ao sentenciado foi retirada a possibilidade de cumprir a pena em regime aberto, única e exclusivamente por ser morador de rua, tendo a ele sido negado o direito de exercício do contraditório antes de decisão ilegal e contrária a sua liberdade”, sustentou a Defensora.

Distinção entre classes sociais

“Nota-se na decisão a quo evidente afronta aos princípios constitucionais da individualização da pena e da igualdade material, uma vez que se o paciente não fosse miserável, hipossuficiente e não estivesse em situação de rua, cumpriria sua pena em regime aberto”, argumentou Vanessa. “Se prevalecer o entendimento anterior, nenhuma pessoa em situação de rua terá direito a cumprir pena em regime aberto, estabelecendo-se verdadeira discriminação e distinção entre classes sociais no que tange a aplicação da pena”, acrescentou.

A Defensora destacou ainda que não foram tentadas alternativas de vínculos comunitários para o acolhimento do sentenciado, pois conforme depreende-se dos autos, nem sequer foi realizada qualquer tentativa de contato com instituições que acolhem indivíduos em regime aberto que vivem em situação de rua para que pudesse informar sobre a possibilidade de acolher o sentenciado.

Na decisão liminar, proferida em 5/9, o Ministro do STJ Ribeiro Dantas entendeu que “malgrado a comprovação de residência fixa constitua exigência para o ingresso no regime prisional aberto, a impossibilidade de fazê-lo, por ser o apenado morador de rua, não justifica, por si só, sua manutenção em meio prisional mais gravoso do que o cabível, restando evidenciada flagrante ilegalidade”.

O Ministro ressaltou ainda, acatando argumento da Defensora, que a regra da Lei de Execução Penal que exige comprovação de trabalho e de endereço para o ingresso no regime aberto deve ser flexibilizado à luz da realidade social brasileira. “Forçoso destacar, ainda, que o paciente apenas ostenta uma condenação transitada em julgado, por crime despido de violência ou grave ameaça”, acrescentou o relator ao deferir a liminar.