Defensoria Pública de SP obtém decisões do TJ-SP que autorizam interrupção de gravidez em casos de fetos com malformações que inviabilizam a vida

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”

Publicado em 29 de Maio de 2013 às 08:00 | Atualizado em 29 de Maio de 2013 às 08:00

A Defensoria Pública de SP obteve neste mês de maio duas decisões do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP) que autorizam a interrupção de gestação para duas mulheres cujos fetos comprovadamente não tinham condições de vida fora do útero, devido a malformações.

No primeiro caso, o TJ-SP concedeu decisão liminar em 17/5 para garantir a permissão a uma mulher de 22 anos que mora em São Paulo, pois seu feto apresentava “encefalocele frontal grave” – exteriorização ao crânio de grande quantidade de massa encefálica. 

O pedido foi feito pela Defensora Juliana Garcia Belloque ao propor um mandado de segurança, baseado em parecer de dois médicos professores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que apontavam para a completa inviabilidade da vida a partir do parto. A solicitação havia sido indeferida em primeira instância pelo Juiz da 3ª Vara do Tribunal do Júri de São Paulo, apesar da concordância inicial do Ministério Público com a interrupção da gestação.

A decisão favorável foi concedida pelo Desembargador Paiva Coutinho, da 11ª Câmara Criminal do TJ-SP. A ação foi acompanhada no TJ-SP pelo Núcleo de Segunda Instância e Tribunais Superiores da Defensoria.

No outro caso, uma mulher de Guarulhos obteve em 23/5 a autorização judicial do TJ-SP para interromper a gestação de um feto com diversos tipos de malformação – como coração desviado para direita, estômago e alças intestinais no tórax e artéria umbilical única, além das Síndromes da “Trissomia 18” e da “Banda Amniótica”. Segundo parecer de dois médicos da USP, a vida seria impossível a partir do parto.

A decisão é da 10ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP e foi obtida pelo Defensor Filipe Dias Rodrigues em sede de apelação, após ter o pedido negado em primeiro grau.

Nos dois casos, os Defensores Públicos argumentaram que a manutenção da gravidez representa risco à vida e à saúde física e psicológica das gestantes. Eles também afirmaram que a interrupção de gestação, nesses casos, não é ilegal, pois não há vida possível a ser protegida – tão somente a vida e saúde da mãe. Os Defensores apontaram, ainda, a alta probabilidade de os fetos morrerem dentro do útero, causando riscos às gestantes.

“A submissão da impetrante, pela força do Estado, ao termo final desta gravidez, é imposição dolorosa, cruel, ilegítima diante dos valores insculpidos constitucionalmente. Subtrai-lhe especialmente o seu direito à plena saúde física e psicológica, bem como à dignidade garantida pelo constituinte a todo ser humano com vida”,  apontou a Defensora Juliana. 

Os Defensores ressaltaram, ainda, a necessidade de se interpretar o artigo 128 do Código Penal – que exclui a ilicitude de aborto praticado por médico quando necessário para salvar a vida da gestante – conforme os avanços da medicina para proteger a saúde da grávida. 

O Defensor Filipe afirmou que a malformação fetal é irreversível e que, "na eventualidade de o feto atingir o termo, inexiste, com certeza absoluta, possibilidade de vida extra-uterina, e que não há nenhuma possibilidade de tratamento intra ou extra-uterino".

Nas duas ações, os Defensores pediram ao TJ-SP a aplicação de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que em 2012 julgou constitucional a interrupção da gravidez em caso de fetos anencéfalos, considerando a inviabilidade da vida nesses casos.

Decisão do STF

O STF decidiu em abril de 2012, por maioria de votos, que a interrupção da gestação de fetos anencéfalos – nos quais há ausência parcial do cérebro – respeita a Constituição Federal e não caracteriza crime. O caso teve como relator o Ministro Marco Aurélio, cujo voto foi acompanhado por sete dos nove outros Ministros.

A discussão foi suscitada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54, que buscava declarar inconstitucional uma interpretação dos artigos 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal que considerasse crime de aborto o parto terapêutico antecipado nos casos de anencefalia.

Em seu voto, o Ministro Marco Aurélio afirmou ser inadmissível que o direito de um feto sem chances de sobreviver prevaleça em detrimento das garantias constitucionais da mãe, como sua integridade física, psicológica e moral, dignidade, liberdade sexual, autonomia e privacidade.