STJ acata argumentos da Defensoria Pública de SP e concede decisão que mantém comerciantes de rua regularizados na Capital
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu no último dia 5/11 uma decisão favorável à manutenção de comerciantes de rua regularizados que trabalham na Capital paulista. A sentença foi contrária ao recurso interposto pela Prefeitura de São Paulo, acatando os argumentos defendidos pela Defensoria Pública perante o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de SP, quando da concessão da liminar pelo órgão, em junho de 2012.
A decisão é do Presidente da Corte, Ministro Felix Fischer. Em sua fundamentação, o Ministro sustenta que manter os comerciantes de rua regulares em atividade reflete uma “realidade que vigora há anos, décadas, na capital paulista. Ou seja, a manutenção da atuação de vendedores ambulantes, titulares de permissão do Município e que, inclusive, pagam taxa pelo uso do bem público. A meu ver, não está configurada situação de grave risco à ordem pública. Não vislumbro como uma situação há muito consolidada no tempo e monitorada pelo Estado, possa, de uma hora para outra, ofender tão drasticamente o bem jurídico tutelado (no caso, a ordem pública), capaz de justificar o deferimento do pedido”.
Na prática, a decisão do STJ mantém o que a sentença do Desembargador Grava Brasil, do Tribunal de Justiça de São Paulo, já havia garantido – que restabelecia a decisão de primeira instância, da Juíza Carmen Cristina Teijeiro e Oliveira, da 5ª Vara da Fazenda Pública da Capital. A juíza havia determinado liminarmente a suspensão de todos os atos administrativos de revogação e cassação de termos de permissão de uso (TPU) formalizados neste ano na cidade.
Em maio desse ano, a Prefeitura havia decidido revogar os termos utilizados pelos comerciantes de rua de São Miguel Paulista, e, em seguida, havia estendido essa revogação para todos os comerciantes ambulantes da cidade.
Após a decisão do STJ, o processo ainda guarda decisão de mérito de primeiro grau, da 5ª Vara da Fazenda Pública da Capital.
Processo para consulta: 2012/0236385-7
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Em primeira instância, a Justiça havia acatado o argumento da Defensoria, segundo o qual a Prefeitura não obedeceu à necessidade de oitiva prévia da Comissão Permanente de Ambulantes, conforme previsão de legislação municipal – Lei 13.039 de 1991. “No caso em exame, há fortes indícios de que os comandos constitucionais e legais referidos restaram ignorados pela requerida. Não há notícias de que a extinção dos TPUs vigentes na cidade, seja por meio de revogação ou cassação, bem como de todos os bolsões do comércio, tenha sido precedida desta indispensável participação popular. Não há sequer indícios, aliás, de que exista alguma espécie de planejamento nestas ações da administração municipal”, diz a decisão.
A decisão abordou também a falta de notificação dos comerciantes no âmbito dos processos administrativos. “Ora, referidos trabalhadores são cadastrados na Prefeitura, pagam taxas em razão das permissões, de forma que seus endereços residencial e comercial são conhecidos da administração, não se justificando, pois, a utilização desta notificação via imprensa oficial, ao menos não como primeira forma de notificação”.
A Juíza Carmen afirmou que “a única medida adotada para o atendimento dos mais de 4 mil ambulantes que, a partir de então, passariam a ostentar a condição de ‘desempregados’, era o encaminhamento ao Centro de Apoio ao Trabalhador, que funciona como uma espécie de agência de empregos, e cuja utilidade se mostra duvidosa no caso específico, eis que, como é cediço, a maioria dos ambulantes detém nenhuma ou pouquíssima instrução, constituindo-se em grande parte de analfabetos, idosos e deficientes”.
Ela disse também que a transferência dos comerciantes para três shoppings populares foi propagada pela Prefeitura “em prazo indeterminado” e que, posteriormente, “houve novo direcionamento da questão, com a decisão de acomodação dos vendedores ambulantes nas feiras livres, notícia que já enseja revolta e insatisfação entre os feirantes”.
Por fim, a Juíza considerou que “além dos mais de 4 mil trabalhadores diretamente atingidos pelos últimos atos da Prefeitura – número este que, frise-se, suplanta a população de várias cidades do interior do Estado –, inúmeras outras pessoas que estão de alguma forma economicamente conectadas a este comércio também estão sendo atingidas por estes atos, ainda que reflexamente”. Para ela, isso “transfere a questão para a seara da política de desenvolvimento urbano, ocupação e uso do solo, e função social da cidade, desbordando os limites da tão propalada precariedade de tais permissões”.
Atuação da Defensoria
Nos meses de maio e junho, a Defensoria Pública foi procurada por diversos comerciantes de todas as regiões da Capital para apontar que, além de não terem outras opções dignas de trabalho, não lhes havia sido dada a oportunidade de se defenderem nos procedimentos administrativos instaurados pela Prefeitura que levaram às revogações dos TPUs.
O poder público tem fundamentado sua conduta sob o argumento de desobstruir as vias públicas, possibilitar intervenções de combate a incêndios, aprimorar o policiamento ostensivo e promover melhorias nas intervenções de limpeza pública.
Para Bruno Miragaia, Defensor Público que atua no caso, todos os procedimentos administrativos e portarias que levaram às revogações dos TPUs devem ser anulados pela Justiça, “por violação aos direitos de contraditório e ampla defesa, razoabilidade, gestão democrática da cidade”, entre outros.
“A simples revogação de todos os TPUs de comerciantes de rua regularizados na Capital irá gerar grandes problemas. Não apenas para as pessoas carentes que se dedicam a esse trabalho há décadas – como idosos e deficientes físicos -, mas também pela falta de planejamento ou oferecimento de soluções em prazos razoáveis. Para que o poder público promova uma medida dessa extensão e gravidade, deve haver um planejamento, feito através de diálogo. Em caso contrário, haverá uma explosão do comércio informal e da situação de miséria na cidade”, afirma Bruno.
“É importante lembrar que esses comerciantes são regulares e pagam taxas ao poder público”, complementa.
A ação pede que a Justiça declare o direito à concessão de uso especial para fins de comércio para todos os comerciantes de rua regularizados na cidade de São Paulo que comprovem os requisitos legais (em especial, previstos na Medida Provisória nº 2.220/01), ainda que esse direito seja reconhecido em outro local, em consideração ao dever público de promover geração de trabalho e renda para a população carente.
Pede, ainda, que o Município promova audiências públicas em todas as Subprefeituras, com a subsequente apresentação de um planejamento de desenvolvimento urbanístico e econômico que conte, no mínimo, com a indicação do número de ambulantes formais e informais da cidade; localização dos pontos fixos, móveis e dos Bolsões do Comércio, espaços a serem adequados, ou a serem readequados em outros locais; plano de viabilidade econômica de novos espaços e relatórios de impacto social e de vizinhança para Bolsões de Comércio, entre outras medidas.
A ação foi proposta em conjunto com o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos.