RECONHECIMENTO IRREGULAR

Em revisão criminal, Defensoria Pública obtém decisão que absolve acusado reconhecido sem observância dos procedimentos legais

Acusado não foi colocado ao lado de outras pessoas com semelhanças para ser reconhecido e vítima não refez reconhecimento em juízo

Publicado em 2 de Maio de 2022 às 17:44 | Atualizado em 2 de Maio de 2022 às 17:49

Desembargadores consideraram viciado o depoimento realizado Foto: TJSP

Desembargadores consideraram viciado o depoimento realizado Foto: TJSP

A Defensoria Pública de SP obteve do Tribunal de Justiça paulista (TJSP) uma decisão em uma revisão criminal que absolve um acusado pelo crime de roubo, que havia sido reconhecido pelas vítimas sem observância do procedimento legalmente previsto para este reconhecimento.

Consta no processo que uma família no interior de São Paulo foi vítima de roubo, com emprego de armas. Dias depois do ocorrido, na delegacia de polícia, o réu foi reconhecido por uma das vítimas, após ser conduzido, algemado, por policiais em razão de uma outra ocorrência não relacionada ao crime sofrido pela família.

No entanto, nenhum dos objetos do roubo foram apreendidos em seu poder; tampouco testemunhas puderam indicar sua participação no crime. Também não houve confissão e o outro indivíduo apontado como coautor do crime afirmou não conhecer este acusado.

Após este reconhecimento realizado pelas vítimas, não foi adotada qualquer outra diligência para apurar sua participação neste roubo. Além disso, em sede judicial, as vítimas não realizaram o reconhecimento deste acusado, apontando que já o haviam realizado na delegacia de polícia.

Apesar dessas circunstâncias irregulares, o acusado foi condenado à pena de 6 anos e 5 meses de reclusão, em regime inicial fechado.

Reconhecimento irregular

Na revisão criminal impetrada, o Defensor Público Patrick Cacicedo apontou que houve descumprimento no procedimento para a realização do reconhecimento pessoal do acusado, previsto no Código de Processo Penal (CPP), uma vez que o acusado não foi colocado ao lado de outras pessoas com semelhanças para ser reconhecido, e nem mesmo houve a lavratura de auto formal de reconhecimento.

Além disso, o Defensor também aponta que as provas não foram colhidas sob o crivo do contraditório, tendo as decisões condenatórias se valido exclusivamente dos elementos do inquérito, o que também viola a legislação processual penal. Isso porque a vítima não realizou o reconhecimento pessoal perante a autoridade judiciária, o que vai de encontro ao CPP.

Patrick Cacicedo também apontou, na revisão criminal, que o reconhecimento pessoal como meio de prova está relacionado à alta taxa de erros judiciários, uma vez que, diversos fatores influenciam no estado psicológico da vítima no momento do crime, de maneira a prejudicar sua capacidade de reter as informações associadas ao ato criminoso.

“Por essa razão, considera-se primordial a observância, no mínimo, do regramento previsto pelo Código de Processo Penal no tocante ao reconhecimento de pessoas dentro de um procedimento criminal. Isto porque, como o reconhecimento é dotado de elevada subjetividade e também apto a muitas falhas, o regramento previsto pelo CPP estabelece diretrizes mínimas para evitar eventual erro de reconhecimento, tratando-se de verdadeira garantia ao acusado, em especial ao se considerar que é geralmente realizado em solo policial, em momento em que ausente o contraditório”, destacou o Defensor.

Decisão

Na análise da revisão criminal, os Desembargadores do 7º Grupo de Direito Criminal do TJSP observaram que o STJ já consolidou jurisprudência no sentido de que qualquer reconhecimento formal – pessoal ou fotográfico – que não siga estritamente o que determina o CPP, é inválido.

“Considerando que o único reconhecimento foi viciado – réu visto sozinho e algemado, sem prévia descrição nem ato formalizado – e que não houve confissão, delação, apreensão de bens ou outros elementos, além de nenhuma testemunha que lhe imputasse os fatos no curso da instrução, pode-se dizer que, ademais do descumprimento do disposto no art. 226, CPP, a condenação também foi lançada sem qualquer elemento de prova colhido em juízo”, pontuou o relator do processo, Desembargador Marcelo Semer.

Dessa forma, por maioria de votos, os Desembargadores do 7º Grupo de Direito Criminal do TJSP decidiram absolver o acusado, determinando a expedição de seu alvará de soltura.

O caso contou também com atuação do Núcleo de Segunda Instância e Tribunais Superiores da Defensoria Pública de SP.