Seminário na Defensoria Pública de SP debate regularização fundiária
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”
A Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia (CUEM) foi um dos principais temas do Seminário “Implementação dos Instrumentos de Regularização Fundiária: Experiências Práticas e o Papel do Poder Judiciário”, que o Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública de SP realizou na última sexta-feira (14/12), na sede da instituição. A organização contou também com parceria do Ministério da Justiça e do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico.
Em janeiro, a constitucionalidade da Medida Provisória nº 2.220/2001, que prevê o CUEM, será objeto de julgamento pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP). Segundo Anaí Arantes Rodrigues, Defensora Coordenadora do Núcleo de Habitação e Urbanismo, trata-se de tema jurídico importante, pois se a MP deixar de ser aplicada no Estado a população carente que mora em áreas públicas irregulares poderá perder meios de promover a regularização dos imóveis.
O tema foi levado ao Órgão Especial do TJ-SP pela 6ª Câmara de Direito Público, que suspendeu o julgamento de uma apelação cível em que os autores pediam a aplicação da MP 2.220, abrindo um incidente de inconstitucionalidade. O relator do caso, Desembargador Sidney Romano dos Reis, entendeu que a norma é inconstitucional, porque a União não poderia legislar sobre o uso de bens públicos de outros entes da federação, como Estados e Municípios.
![]() | ![]() |
O Seminário
O evento foi dividido em quatro partes, em que foram discutidos instrumentos de regularização fundiária, sua aplicabilidade pelo Poder Executivo, e a CUEM nos tribunais. Os palestrantes foram José Renato Nalini (Corregedor Geral da Justiça de SP), Celso Santos Carvalho (Ministério das Cidades), Sergio Gonçalves (Prefeitura de Osasco), Patrícia Cardoso (Ministério do Planejamento), Silvio Luis Ferreira Rocha (Conselheiro do CNJ e Professor da PUC-SP), José Carlos Freitas (membro do Ministério Público de SP) e Rosane Tierno (Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico).
Na última parte, foi promovido um debate sobre a constitucionalidade desse instituto entre o Procurador do Estado André Luiz dos Santos Nakamura, Chefe da Procuradoria do Patrimônio Imobiliário, e o Defensor Público Carlos Henrique Acirón Loureiro, especialista em Direito Urbanístico.
Clique aqui para ver a íntegra da programação do seminário.
Nakamura argumentou pela inconstitucionalidade da MP 2.220, afirmando que a Constituição não permite o usucapião de áreas públicas e que a norma ofende a autonomia dos Estados e Municípios para editar leis, pois a União só poderia elaborar regulamentações gerais. O Procurador disse que considera necessário haver algum instrumento para regularização de moradias, e propôs que o Estado, por meio de lei, disponibilize todas suas terras devolutas com menos de 250 m² a moradores que a ocupem por mais de cinco anos.
Já o Defensor Carlos Loureiro, que defendeu a constitucionalidade da MP 2.220, disse que a norma não viola a autonomia dos entes federativos, pois a norma geral de direito urbanístico, que prevê direitos sociais, não afetaria apenas o âmbito federal, mas nacional. Ainda segundo Loureiro, a maioria dos Estados e Municípios não regulariam esse instituto se tivessem discricionaridade para fazê-lo, o que provocaria a evasão de pessoas carentes para lugares que permitissem a CUEM. Ele enfatizou, ainda, que não se trata de usucapião, mas de outra figura jurídica autônoma.
Atuação da Defensoria SP no TJ
A Defensoria Pública de SP foi aceita no último mês de maio no processo em trâmite no TJ-SP como amicus curiae e argumenta pela constitucionalidade da MP 2.220, com base nos artigos 6º, que caracteriza a moradia como direito social, e 183 da Constituição Federal, que garante o domínio de área urbana com até 250 m² a quem tiver sua posse ininterrupta por cinco anos e sem contestação.
Os Defensores Anaí Arantes Rodrigues, Ana Bueno de Moraes e Douglas Tadashi Magami também apontam como fundamentos para a CUEM a Lei 10.257/2001 - Estatuto da Cidade, que prevê mecanismos de concessão de áreas urbanas ocupadas por pessoas de baixa renda, além de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Os Defensores afirmam também que a MP 2.220 não fere o princípio da autonomia administrativa dos Estados e Municípios, pois, com a competência concorrente sobre direito urbanístico entre eles e a União, compete a esta elaborar normas gerais, restando aos outros entes da federação a possibilidade de criar normas específicas, o que não exime Estados e Municípios de cumprir as normas gerais.
Para a Defensoria, o direito à moradia está ligado à proibição de políticas públicas que dificultem seu exercício e à obrigação do Estado de criar outras que o protejam. A função social da cidade só seria plenamente desenvolvida com a redução das desigualdades sociais e a erradicação da pobreza, sendo os assentamentos informais urbanos precários a alternativa de moradia encontrada pela população de baixa renda.
Segundo a Defensoria, apesar de imóveis públicos não serem passíveis de usucapião, é possível conceder direitos reais sobre sua posse, em concessão especial, já que o caput do artigo 183 da Constituição aplica-se indistintamente a áreas públicas a privadas.
![]() | ![]() |
Saiba mais
A MP 2.220, editada no dia 4 de setembro de 2001, prevê que aquele que, até 30 de junho de 2001, possuir como seu, por cinco anos ininterruptos e sem oposição do proprietário, imóvel público em área urbana, para moradia, tem direito à concessão de uso especial para fins de moradia, desde que não seja proprietário ou concessionário de outro imóvel urbano ou rural.