Defensoria Pública de SP ajuíza ação civil pública pelo fim da revista vexatória na Fundação Casa em Guarulhos

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”

Publicado em 12 de Março de 2015 às 07:00 | Atualizado em 12 de Março de 2015 às 07:00

A Defensoria Pública de SP aguarda o julgamento de uma ação civil pública que contesta a realização da revista vexatória a que são submetidos os visitantes dos adolescentes internados nas três unidades da Fundação Casa da cidade de Guarulhos. A ação, proposta na Vara da Infância e Juventude de Guarulhos, foi remetida para o Departamento de Execuções da Infância e da Juventude, na Capital, uma vez que a Justiça guarulhense entendeu que a questão deveria ser tratada em âmbito estadual. Para a Defensoria Pública, além da dignidade e intimidade dos visitantes, a ação visa também resguardar o direito dos internos de receberem visitas.

Segundo relatado na ação, os visitantes que comparecem a uma das unidades da Fundação Casa em Guarulhos são obrigados a se submeterem à revista íntima: a pessoa é encaminhada para uma sala específica onde, perante um agente do estabelecimento, deve despir-se e agachar-se por uma ou mais vezes para que o funcionário verifique se não há nenhum item proibido em seus órgãos genitais. Frequentemente, numa mesma sala, há revista simultânea de duas ou mais pessoas, de modo que o constrangimento se dá também perante outras visitas.

Para os Defensores Públicos Eduardo Terração, José Rodolfo Stutz Cunha e Rafael Pitanga Guedes, que atuam na área da Infância e Juventude e são responsáveis pela ação, o procedimento, além de ser uma afronta à dignidade dos visitantes, acaba por violar o direito à convivência familiar e comunitária dos adolescentes. "Isso gera prejuízo ao direito de convivência familiar e comunitária, pois restringe o número de visitantes, já que muitas pessoas não aceitam se submeter a situação tão humilhante para exercer um direito seu e colaborar com a ressocialização do adolescente, o que se mostra perfeitamente aceitável diante da grave violação a sua intimidade."

Na ação, os Defensores Públicos também apontam a vigência da Lei nº 15.552/2014, que proíbe a realização das revistas vexatórias nos presídios. Apesar do veto que sofreu o inciso que previa a vedação de tais revistas nas unidades da Fundação Casa, os Defensores justificam que o procedimento não é compatível com o sistema legal pátrio, e, por isso, não seria necessária qualquer norma para reconhecer sua abusividade.

Além disso, os adolescentes não podem receber tratamento mais gravoso que os adultos, e, portanto, não há justificativa para que os visitantes dos adolescentes recebam tratamento pior. “Não faz sentido criar uma discriminação como esta contra os visitantes de pessoas internadas, uma vez que as saudades, o afeto e o direito à convivência familiar e comunitária são os mesmos. Aliás, a convivência familiar é ainda mais relevante em se tratando de adolescentes, porquanto a medida socioeducativa visa, justamente, a ressocialização dos jovens, de modo que a participação da família se mostra essencial para este fim”, argumentam Eduardo, José Rodolfo e Rafael.

Direitos e alternativas

Os Defensores Públicos responsáveis pela ação apontam que o princípio da dignidade da pessoa humana é um dos pilares da República Federativa do Brasil, sendo o direito à intimidade uma de suas vertentes. Além de previsto na Constituição Federal e no Código Civil brasileiro, a dignidade e a intimidade também são reconhecidas e protegidas nos pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário, em especial a Convenção Americana de Direitos Humanos e a Convenção sobre os Direitos da Criança.

"Ao poder público incumbe o dever de proporcionar e garantir a dignidade, não lhe sendo lícito violar o corpo de forma tão cruel. Sendo um direito inviolável, é necessário que o Estado deixe de realizar a revista das pessoas mediante a retirada de roupas e busque alternativas para tanto", defendem.

Eles elencam novas modalidades possíveis de revistas, como exemplo scanners corporais, máquinas de raio-X, revista nos quartos dos internos etc. "Por óbvio, não se pretende acabar com toda e qualquer forma de revista, mas tão somente com um desnecessário, desproporcional e ultrapassado procedimento que gera traumas injustificáveis aos visitantes dos internos."

Projeto de Lei

Tramita, ainda, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 404/2015, que dispõe sobre a revista pessoal de visitante aos adolescentes internados, visando extinguir o procedimento de revista vexatória. O projeto também propõe que a inspeção seja realizada por meio de aparelhos eletrônicos, como o de raio-x.

O projeto acrescenta artigos à Lei nº 12.594/2012, a chamada Lei do Sistema de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que regulamenta a execução das medidas socioeducativas.

Atuação extrajudicial

Com a promulgação da Lei 15.552/2014, que proíbe a realização das revistas vexatórias nos presídios, o Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública de São Paulo enviou um ofício à Presidência da Fundação Casa, solicitando a não realização do procedimento nos visitantes e familiares de adolescentes custodiados nas unidades da Fundação.

De acordo com o oficio, levando-se em consideração a proibição da revista vexatória em estabelecimentos prisionais, não há qualquer razão para a manutenção destas revistas nas unidades de internação de adolescentes, uma vez que o intuito da Lei foi garantir a não exposição vexatória dos visitantes de pessoas presas.

O documento também pontua que a garantia prevista em Lei não diz respeito tão somente aos direitos dos visitantes a serem tratados com dignidade sem exposição às situações vexatórias, mas efetivam os direitos dos próprios adolescentes em relação à plenitude da convivência familiar e da intranscendência de suas sanções.

A Comissão Especializada de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege) também emitiu uma nota pública em que manifesta repúdio à realização da revista vexatória à qual são submetidos todos os visitantes de adolescentes custodiados em unidades de privação de liberdade nos diversos Estados brasileiros. Diz trecho da nota: "A revista vexatória, como se sabe, é realizada de maneira manual, invasiva, com desnudamento total ou parcial das vestes, agachamentos repetitivos e inserção de objetos nas cavidades corporais, na tentativa de verificar a existência de algum objeto ilícito. Por causar intenso sofrimento físico e moral, acarretar humilhação social, não encontra amparo no ordenamento jurídico nacional e internacional, assemelhando-se ao tratamento cruel, segundo recente pronunciamento da Organização da Nações Unidas."

(Clique aqui para ler a nota na íntegra)