Criança é mantida sob guarda de amigos da mãe presa, após habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública de SP
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”
A Defensoria Pública de SP obteve junto ao Tribunal de Justiça (TJ-SP), no final de junho, uma decisão que concede à amiga de uma família a guarda de uma criança cuja mãe está presa. A decisão é liminar e será mantida até a análise do mérito do habeas corpus impetrado.
Kelvin tem um ano e oito meses e, desde seu nascimento, está sob os cuidados de Raphaela, que assumiu sua tutela a pedido da mãe da criança, que está presa respondendo a um processo. Com o objetivo de regularizar a situação, Raphaela propôs uma ação de guarda. No entanto, o Ministério Público pediu o acolhimento institucional da criança, sugerindo possível burla ao cadastro de pretendentes à adoção.
Uma equipe técnica do Tribunal de Justiça foi enviada à casa de Raphaela para elaborar um relatório acerca das condições em que Kelvin vivia com a nova família. No parecer, os técnicos apontaram que o acolhimento da criança em um abrigo seria prejudicial ao jovem. “Kelvin pareceu possuir fortes vínculos afetivos com o casal e o casal também aparenta despender cuidados e afetos com a criança. Julgamos que Kelvin está inserido na família e não há oposição quanto a sua permanência sob os cuidados do casal Raphaela e seu marido”, aponta o texto do relatório. Entretanto, em contradição ao parecer técnico, o juízo de primeira instância acolheu o pedido da promotoria e determinou que Kelvin fosse levado a um abrigo.
O Defensor Público Diogo de Almeida Lopes, que atua no caso, argumenta que, além do parecer técnico, “Raphaela possui todas as condições de oferecer ambiente saudável e livre de qualquer risco que atrapalhe o seu pleno desenvolvimento. Ela desde sempre ofereceu todos os cuidados necessários (material, moral, afetivo, social etc.) e somente ajuizou a ação de guarda para regularizar a situação, que se encontra consolidada pela convivência desde o nascimento da criança”. Desta maneira, o Defensor Público impetrou o habeas corpus.
Em sua decisão, o Desembargador Eros Piceli apontou que o entendimento do juízo de primeira instância não podia prevalecer. "Não se pode negar o fato de que, estando desde o primeiro mês de vida sob os cuidados de Raphaela e sua família, a criança desenvolveu fortes vínculos de afeto e confiança e que sua institucionalização poderá causar danos psíquicos e emocionais. Observe-se, por outro lado, que diante da situação estabelecida, não se poderia presumir burla ao cadastro de pretendentes à adoção, sobretudo porque a prisão da mãe de Kelvin, por si só, não implica destituição do poder familiar."
A decisão é liminar e será mantida até a análise do habeas corpus impetrado. Os nomes “Kelvin” e “Raphaela” são fictícios, e foram utilizados para manter anônimas as identidades dos envolvidos, uma vez que o processo corre em segredo de justiça.
Estatuto da Criança e do Adolescente
A decisão do Desembargador Eros Piceli vai ao encontro do disposto na Lei nº 12.962 de 8 de abril de 2014 – que inseriu um dispositivo no Estatuto da Criança e do Adolescente que enfatiza o direito à convivência familiar de crianças e adolescentes com seus pais, ainda que os mesmos estejam privados de liberdade. A legislação aponta que a prisão dos pais da criança, por si só, não implica destituição do poder familiar.
O Estatuto da criança e do adolescente também aponta que o vínculo familiar entre a criança e os pais presos deve ocorrer por meio de visitas periódicas a serem realizadas, independentemente de autorização judicial para tanto. Nesta mesma linha, a Lei também destacou a necessidade de realização de visitas de crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional aos seus pais custodiados.