Após recurso da Defensoria Pública de SP, TJ decide que crime de desacato viola a Convenção Americana de Direitos Humanos
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”
A Defensoria Pública de SP obteve uma decisão do Tribunal de Justiça de SP (TJ-SP) que que o crime de desacato (art. 331 do Código Penal) viola a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto San José da Costa Rica), da qual o Brasil é signatário. Por esse fundamento, a decisão absolveu um réu que respondia por essa acusação.
Segundo consta no processo, o acusado foi condenado em primeira instância por desacato e perturbação ao sossego - este último previsto na Lei de Contravenções Penais - à pena de 1 ano, 3 meses e 22 dias, em regime aberto.
No entanto, o Defensor Público Mario Eduardo Bernardes Spexoto, que atuou no caso, afirmou em recurso de apelação levado ao TJ-SP que a previsão do delito de desacato contraria a cláusula de liberdade de expressão prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos.
A tese não significa liberdade para agressões verbais ilimitadas, já que a pessoa pode ser responsabilizada diante de outros dispositivos legais, que não diferenciam entre pessoas comuns e funcionários públicos.
"As leis nacionais que tipificam o desacato são contrárias ao artigo 13 da CADH, o qual garante o direito de liberdade de pensamento e expressão. Configura, portanto, violação do Estado brasileiro à Convenção processar, condenar, ou impor sanção a alguém, em função deste crime", apontou o Defensor.
O Defensor Spexoto também apontou que este posicionamento já foi ratificado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que estabeleceu que “os funcionários públicos estão sujeitos a um maior controle por parte da sociedade. As leis que punem a manifestação ofensiva dirigida a funcionários públicos, geralmente conhecidas como “leis de desacato”, atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação”. A jurisprudência da corte internacional enfatiza que o problema é a falta de proporcionalidade decorrente da criminalização de críticas a agentes públicos por meio de um tipo penal diferenciado.
No acórdão, os Desembargadores da 15ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP entenderam que a CADH assegura o direito à liberdade de expressão e pensamento e que considerar a conduta de desacato como crime proporcionará maior proteção aos agentes do Estado do que aos particulares. "O respeito à liberdade de expressão e de pensamento consubstancia pilar fundamental e essencial a qualquer Estado Democrático, além de garantir igualdade entre funcionários públicos e particulares”.
Dessa forma, absolveram o acusado em relação à prática da conduta de desacato, mantendo a condenação pela perturbação ao sossego, aplicando a pena de 19 dias, em regime aberto.
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Na decisão, o Desembargador relator, Encinas Manfré, citou um precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, no caso concreto levado à apreciação da Corte pela Defensoria Pública de SP, descriminalizou a conduta tipificada como desacato.
Na decisão do STJ, o Ministro relator, Ribeiro Dantas, proferiu entendimento de que os funcionários públicos estão mais sujeitos ao escrutínio da sociedade. De acordo com seu voto, a criminalização do desacato atenta contra a liberdade de expressão e o direito à informação. A tipificação penal, ressaltou ele, está na contramão do humanismo, “porque ressalta a preponderância do Estado – personificado em seus agentes – sobre o indivíduo”, destacou. “A existência do crime, não raras vezes, serviu de instrumento de abuso de poder pelas autoridades estatais, para suprimir direitos fundamentais, em especial a liberdade de expressão”, complementa. Ele concluiu que a previsão penal do desacato confronta desproporcionalmente a liberdade de expressão prevista pela Convenção Americana de Direitos Humanos.
Proferida por unanimidade pela 5ª Turma do STJ, a decisão observa que o STF já havia manifestado entendimento de que os tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil têm natureza supralegal.
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A tese em favor da descriminalização do desacato vem sendo defendida pela Defensoria Pública de SP ao menos desde 2012, quando acionou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA) – para contestar uma condenação criminal por desacato. O pedido da Defensoria argumenta que a condenação por desacato (artigo 331 do Código Penal) é incompatível com o a Convenção Americana, que trata da liberdade de pensamento e de manifestação.
23/3/2015 – Núcleos Especializados da Defensoria Pública de SP acionam OEA para suspensão de processos por desacato