Moradia

Defensoria Pública de SP entra com ação civil pública contra remoções em São Sebastião

Moradores receberam ordem de despejo com prazo de um dia

Publicado em 7 de Novembro de 2025 às 19:03 | Atualizado em 7 de Novembro de 2025 às 19:10

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo ajuizou uma ação civil pública para garantir os direitos de moradores da Travessa Antônio Tenório dos Santos, em São Sebastião, litoral norte de São Paulo. Em outubro, moradores de seis residências receberam ordem de demolição das casas, com o prazo de um dia útil após a notificação. Por isso, a Defensoria Pública pede a suspensão imediata das demolições e a realização de obras de infraestrutura para mitigar os riscos. 

A Travessa foi uma das áreas atingidas pelo trágico evento climático de 2023, quando mais de 60 pessoas morreram em São Sebastião. A Prefeitura Municipal de São Sebastião chegou a demolir algumas moradias e realizou uma obra no local a fim de reduzir novos riscos. De acordo com o Defensor Público Filovalter Moreira dos Santos Jr, a própria prefeitura de São Sebastião contratou um relatório do Instituto de Pesquisas Tecnológicas para a construção do Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR) e essas obras foram constatadas como insuficientes pelo IPT, que indicou a necessidade de realização de outras medidas de contenção. 

A Travessa foi classificada como grau de risco R4 (Setor de Risco Muito Alto) pelo IPT. Ainda assim, antes de pensar em demolição, o relatório recomenda a realização de medidas estruturais pontuais a fim de mitigar os riscos, como remoção de solo e rocha para diminuição do volume de material instável, compactação do solo, construção de muro de espera em concreto, desobstrução de galeria e outras medidas.  

Esse tipo de intervenção também foi identificada em uma perícia judicial provocada por outra ação movida pela Defensoria Pública. Na ocasião, foi realizada a produção antecipada de provas. O perito judicial recomendou implementar medidas de contenção e drenagem para reduzir o risco de deslizamento/escorregamento. As medidas sugeridas incluem contenção em áreas críticas, instalação de sistemas de drenagem subterrânea e drenagem superficial. “A implementação de todas as medidas de segurança descritas no laudo, como a instalação de estruturas de contenção, sistemas de drenagem, canaletas ao longo da encosta, monitoramento constante, remoção de materiais soltos e reforços no imóvel, certamente contribuiria para a redução significativa do risco no imóvel e em suas imediações”, destaca o perito. 

De acordo com o Defensor Público não há comprovação de que se trata de situação de urgência/emergência para justificar a demolição abrupta. O Defensor também lembra que os moradores estão sofrendo risco iminente de remoção forçada da área sem que sejam observados seus direitos e garantias básicas. “O município de São Sebastião viola os Tratados Internacionais, a Constituição Federal e as leis do país ao notificar o morador sobre a demolição da sua moradia no prazo de 24 horas, especialmente porque ofendem o direito ao contraditório e a ampla defesa ao esvaziar por completo o conteúdo destes princípios, sem falar no direito à própria moradia, já que se trata de área que já deveria estar urbanizada, em virtude de regularização fundiária já reconhecida pela Justiça”, destaca. Ele também afirma que em último caso, se for constatada a necessidade de demolição, deve-se observar que essas famílias tenham atendimento habitacional adequado. 

COP 30 

O Defensor Público Filovalter Moreira dos Santos Jr. será um dos representantes da Defensoria Pública do Estado de São Paulo na 30ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), em Belém (PA), entre os dias 10 e 21 de novembro. O trabalho desenvolvido pela Defensoria Pública em São Sebastião será apresentado na Conferência. A experiência paulista se destaca como exemplo de atuação jurídica na interface entre direitos humanos, justiça climática e políticas públicas de prevenção a desastres socioambientais.  

Na conferência, o defensor público responsável pela atuação em São Sebastião vai apresentar os resultados alcançados após a tragédia de fevereiro de 2023 e debater o papel das instituições públicas na construção de cidades resilientes, em consonância com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 11 da Agenda 2030 da ONU. Entre os resultados obtidos pelas ações judiciais e extrajudiciais propostas pela Defensoria, destacam-se a garantia de moradias definitivas e não onerosas às famílias atingidas, a estruturação da Defesa Civil municipal e a implementação de medidas de mitigação de riscos previstas no Plano Municipal de Redução de Riscos.  

A experiência reforça a importância da atuação jurídica comprometida com a adaptação às mudanças climáticas e com a promoção da dignidade humana. “O cumprimento das normas internacionais, especialmente ao pacto de Sendai (Japão) e aos objetivos da COP 30 impõe ao estado brasileiro o dever de alocar prioritariamente recursos públicos no âmbito da prevenção em relação aos efeitos de desastres climáticos. O município de São Sebastião já foi atingido pela maior chuva já registrada num único dia no Brasil que deixou 64 mortos, em fevereiro de 2023, todos residentes em áreas de risco, e foi a população vulnerável a mais severamente atingida pelos efeitos das mudanças climáticas. Embora São Sebastião esteja entre os municípios mais ricos do país, considerando a divisão do seu orçamento pelo número total de habitantes, o investimento em regularização fundiária e em obras de mitigação de risco permanece extremamente baixo, o que impõe insegurança às famílias mais vulneráveis e evidencia o racismo ambiental na aplicação dos recursos públicos”, afirma.